terça-feira, 18 de agosto de 2009
ARQMO, uma história de lutas
Os quilombolas de Oriximiná possuem um largo histórico de lutas. Desde que chegaram ao Brasil eles lutam, primeiro a luta pela fuga, depois a luta contra os índios, depois a luta pela sobrevivência na floresta, agora a luta pela demarcação de terras e pelos seus direitos constitucionais. A ARQMO (Associação dos Remanescentes Quilombolas do Municipio de Oriximiná) foi uma das primeiras organizações quilombolas do Brasil, tendo sido fundada em 1989.
Ao observar a cultura dos negros de Oriximiná é possível notas que muito se parece com a cultura indígena, presente localmente com a tribo Uai Uai. Suas embarcações são muito parecidas, as antigas casas, feitas de palha, a estrutura social dentro da comunidade, a figura do Sacaca (semelhante ao Pajé), a culinária etc, eles possuem muitas coisas em comum, que denunciam como que os negros foram ajudados pelos índios em suas fugas. Parte de sua história também mostra que eles lutaram juntos durante a Cabanagem, revolta que aconteceu no Pará no século XVIII.
A história recente mostra que Oriximiná é um dos maiores (senão o maior) pólos de lutas dos direitos dos quilombolas no Brasil. Através de suas lutas, os negros daqui tiveram a primeira titulação de terras no ano de 1995 e é no Pará que se encontra o maior número de terras quilombolas tituladas. Nas terras tituladas encontra-se mais de 3700 famílias e ainda existem diversas outras terras em processo de titulação.
Eu conversei durante horas com Daniel Souza, coordenador estadual dos movimentos quilombolas do Pará. Ele se mostrou uma pessoa bastante politizada, mas não partidariamente, ele luta pelos direitos dos negros do Pará e do Brasil, conhecendo movimentos quilombolas de vários estados.
Em um certo momento sentamos com o Daniel porque ele queria mostrar um site que a CPI (Comissão Pró-Índio) fez sobre os movimentos quilombolas do Brasil. Curioso que aparentemente ele não sabia ler muito bem, mas isso não se materializava como um empecilho para sua dedicação nas lutas. Muitos dos ativistas possuem formação acadêmica até o 6º ano somente.
Como um interessado em mídias digitais eu perguntei para o Daniel como era a relação das lutas com a internet, e tive uma grande surpresa. A forma de luta se mostrou igual a forma com que o EZLN (Ejército Zapatista de Libertación Nacional) fazia na década de 90. As vezes eles enviam emails para seus contatos afim de obter uma mobilização digital para enviar emails para os órgãos e pessoas envolvidos no processo de demarcação de suas terras.
Outra coisa que achei interessante é a preocupação de "mostrar" o movimento quilombola, por isso eles gostam que pesquisadores cheguem até suas comunidades, eles esperam que estes pesquisadores se solidarizem com a sua luta e mostrem para o mundo como eles merecem/precisam desta demarcação de terras.
Não esqueça de visitar o site sobre as comunidade quilombolas feito pela CPISP.
As visagens da UAJV
Não poderia deixar de dedicar um post às visagens da unidade. Todos que aqui chegam escutam rapidamente falar das visagens que rondam os corredores e quartos durante a noite. Quem conta são os próprios alunos que já estão há mais tempo ou pode-se ler nos estrados dos beliches nos quartos.
Nos meu primeiros dias aqui eu dormia muito mal no quarto que estava, ouvia sons estranhíssimos durante toda a noite, agora, em um quarto bem maior que o antigo, os barulhos são piores ainda, e nessa última noite eu até vi uma visagem. Todos que estão na unidade, acreditando em qualquer coisa ou não, podem escutar os sons. Alguns dias atrás todos que estavam deitados vendo filme na TV escutaram claramente passos no corredor, mas não havia ninguém lá.
Mas qual o motivo de tantas visagens por aqui? Assim como nos filmes de terror de hollywood, conta a lenda que aqui funcionava um hospital administrado por freiras, que cuidava dos índios com malária e outras doenças perigosíssimas.
"Se é verdade eu não sei, só sei que foi assim."
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Futebol como facilitador social
O estado do Pará é muito curioso com o fenômeno do futebol. Por aqui, são poucas as pessoas que torcem de verdade para o São Raimundo, Remo ou Paysandu, eles até torcem, mas o time principal é algum do eixo Rio-São Paulo. Assim que eu cheguei, me impressionei com a quantidade de camisas de clubes desse eixo, mas me impressionei principalmente com a quantidade de camisas do Vasco.
Aconteceu um fato curioso em um certo dia. Fui com meu amigo Cauan na ARQMO para procurar um barco para subir para alguma comunidade. Eu vestia a camisa do Vasco nesse dia. O Cauan vestia a camisa do Botafogo e estava conversando com o Naco, quilombola que faz parte da coordenação da associação. Em toda a conversa entre os dois o Naco foi muito monossilábico, respondendo apenas com "hum hum", "sei", "isso", "quem sabe" e de forma bem séria, parecendo até que ele não estava afim de conversar naquele momento. Mas assim que terminou a conversa ele abriu um sorriso bem grande, olhou pra mim e começou a conversar sobre o nosso tão querido clube.
Curioso como que a distância não afeta a forma com que as pessoas aqui torcem para os clubes das grandes capitais. Até mesmo nas comunidades quilombolas do interior. Lá, todos adoram jogar futebol no fim do dia e as vezes acontecem amistosos entre as comunidades, daí o nome do time da comunidade sempre faz menção a algum clube de fora do Pará. O time do Varre-Vento se chamava Cruzeiro, enquanto que ali por perto existiam algumas outras comunidades que o nome do clube era Vasco.
Neste momento está acontecendo o Campeonato da Primeira Divisão Oriximinaense de Futebol. A fim de experimentar os costumes do povo eu fui para o Estádio ver um jogo, que por sinal foi um clássico, Trombetas, base da Seleção de Oriximiná, contra o Olímpia, atual campeão municipal.
A torcida não compareceu em grande número, mas os que estavam lá se demostraram muito interessados no jogo, conheciam o plantel das equipes, cornetavam o jogo todo, xingavam. Uma pena não ter muita luz no estádio ou eu não ter um equipamento fotográfico melhor. Havia um rapaz altamente alcoolizado, que era zagueiro do Trombetão, mas que estava suspenso, ele não parava de gritar, torcer, brincar com a torcida adversária.
Eu e o Cauan escolhemos torcer para o Trombetas, que ganhou de 4x1, e contou com presenças ilustres, como atacante Camisinha, que lembra o atacante Washigton e também o outro atacante, Paulo Cachaça, que joga no Motoclube de Manaus.
Quem abriu o placar foi o Camisinha, com um belíssimo gol de falta. Todos os jogadores já tinham voltado para o seu campo e a bola já estava saindo quando me deparo com Camisinha no campo do adversário dando entrevista para a rádio local, dentro de campo, durante o jogo. Isso que é interatividade com o torcedor, que leva seus radinhos de pilha para o estádio para escutar a transmissão do jogo.
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Unidade Avançada José Veríssimo
Como já falei em um outro post, a UAJV (Unidade Avançada José Veríssimo) está na cidade de Oriximiná desde o ano de 1975, sendo que ela veio para ao norte no ano de 1973, se estabelecendo primeiramente na cidade de Óbidos. Pelo que já pesquisei, a UFF é a única universidade do sudeste brasileiro que ainda mantém uma Unidade em funcionamento no norte do Brasil.
Neste post eu vou mostrar um pouco das dependências da Unidade.
Esta foi a primeira área que eu ocupei. Cheguei cansado aqui e encontrei o Heitor e a Duda (ambos do PURO - Polo Universitário de Rio das Ostras) sentados ali conversando e acabei me sentando e ficando por um bom tempo até conhecer o quarto onde eu ficaria.
Este é o corredor dos quartos, que leva até a cozinha, sala de TV, de computador e sala de jantar. Os quartos são equipado com ar condicionado, beliches e um chuveiro de água fria (não, ela não é fria).
A TV é um lugar bem frequentado por todos da unidade, pelas tias da cozinha, por nós mesmos, por funcionários da unidade e várias outras pessoas. A unidade possui um tocador de DVD que pode ser pego emprestado para ver filmes.
Passando a área da televisão chega-se até a sala de jantar, onde ganhei boa parte dos meus 8Kg adquiridos no Norte. A culpa maior é das tias da cozinha, que adoram fazer comidas que pedimos e gostam quando elogiamos a comida delas, que, sinceramente, é ótima.
E aqui é a última área da unidade, e uma das mais concorridas. É a sala onde acontecem as reuniões, palestras e onde usamos o único computador disponível para os alunos que estão alojados.
Normalmente nós gastamos um bom tempo do dia aqui, enquanto um usa o computador, os outros ficam sentados nas cadeiras ou em colchões que trazemos, o ar condicionado da sala é ótimo e é um ambiente refrigerado diferente dos quartos.
Bom, nesta última foto vocês descobriram o porque de eu escrever tão pouco (me desculpem). Mas é apenas um computador para todos da unidade e cada um tem que usar um tempinho para que o outro possa usar também e assim nos mantermos em uma comunidade agradável aqui.
A questão das marcas
Recentemente eu fui contribuir para a economia local e fui fazer uma compras na rua do comércio. Inspirado pelo belo comercial das Lojas Walfredo, apaixonada por você, eu resolvi comprar um All Star, que segundo eles estava saindo a $39,90. O diálogo com a vendedora foi mais ou menos assim:
-Moça, eu queria um All Star preto, número 39.
-Tem sim, tá aqui.
-Não, isso é Star Tech, eu queria All Star.
-Mas isso é All Star sim, só é de outra marca.
-Ah, eu queria o All Star da outra marca mesmo.
-Pois só tem All Star da marca Star Tech.
-Tá bom, eu levo ele mesmo.
Eu, com meu lado publicitário aflorado tive que parar pra pensar sobre a questão da marca na região Norte do Brasil. Ao caminhar pela rua o que você mais vê são lojas (não camelôs, lojas mesmo) vendendo roupas com marcas como Tommy Hilfiger, Armani, Lacoste, Puma, Adidas, Nike, incluindo camisas de futebol de todos os clubes do eixo rio-sampa e alguns outros mais. Se você pensar na questão da identidade da marca, o que é vendido aqui com essas marcas estampadas não tem a mínima ligação com a identidade ou com o status que a marca em questão traz consigo. Você vê normalmente camisas da Armani com desenhos altamente coloridos e coisas assim. Se o criador das linhas de roupa ver o que fazem com a marca aqui eu acho que ele tem no mínimo um ataque do coração.
Mas essas quebras de identidade me fizeram refletir sobre o uso das marcas aqui e sobre o status da marca. Será que eles tem o conceito de marca aqui? Ou será que as pessoas veêm a marca somente como um símbolo que todos usam e ele também tem que usar, mas que não transcende o aspecto visual da logomarca?
No meu diálogo com a vendedora na hora de comprar o tênis, ela tratou o All Star como um modelo de tênis, não como uma marca, que era o que eu queria. Mas tá certo, com a Gillete, BomBril e afins, aconteceu a mesma coisa. Mas ver as camisas de "marca" pela rua, principalmente da Armani, me fizeram ponderar a forma com que o Oriximinaenses, Paraenses ou até os Nortistas, lidam com as marcas.
Minha hipótese inicial é de que aqui as pessoas não se importam com a marca em si, somente com a logomarca. As roupas aqui não pretendem ser cópias das roupas da marcas, elas não pretendem ser vestimentas genêricas que se utilizam do mesmo design dos grandes estilistas. Aqui os designs são totalmente novos, e apenas se apropriam daquela parte visual que constitui uma marca de sucesso, a logomarca, nada mais.
Vou tentar fazer um estudo preliminar sobre isso, preparar algumas questões e quem sabe entrevistar algumas pessoas. Mas enquanto isso espero que vocês levantem algumas questões relevantes.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
O Projeto na Mídia
No dia 3 de agosto saiu uma notícia sobre o "Projeto Oriximiná e seus Olhares" no site da Pró Reitoria de Assuntos Acadêmicos. Os agradecimentos por esta matéria vão para o aluno do curso de Estudos de Mídia, Thiago Petra, que me entrevistou. Também aproveito a oportunidade para elogiar o trabalho dele e da equipe de trabalham com o sistema do idUFF.
Leia a matéria completa no site da PROAC.
"Uma idéia de conclusão de curso tem virado uma grande aventura na Amazônia e uma experiência inesquecível na vida do aluno de Estudos de Mídia Diego Dacal Arsenio Bittencourt, 25 anos. Até meados de agosto o estudante ficará no campus da UFF em Oriximiná, no Estado do Pará."
Leia a matéria completa no site da PROAC.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Matadouro Municipal
A convite da minha amiga Vanessa, aqui da unidade, que cursou o Colégio Agrícola da UFF em Pinheiral, fui visitá-la no Matadouro Municipal para conhecer como funciona o esquema de produção de carne em Oriximiná.
Eu achei que fosse voltar com muito nojo de lá, que nunca mais fosse comer carne depois disso, mas foi bem tranquilo. As únicas coisas foram o cheiro de sangue, que me deixou um pouco enjoado o resto do dia, e o ambiente, que é muito estressante e barulhento.
Vou começar logo com a parte que todos gostam de saber: "como o boi é morto?" Bom, o boi entra em um pequeno cercado metálico e um profissional com uma pistola de ar comprimido, como você vê na foto, dá um "tiro" na testa do boi. Esse procedimento mata o cérebro do boi, assim ele não sente dor alguma para morrer, além de ser mais higiênico, evitar hemorragias internas e qualquer outra coisa que possa contaminar a carne, que será consumida por nós.
Algumas vezes a pistola de ar comprimido não tem potência suficiente para perfurar o crânio do animal, principalmente dos búfalos, e o animal não morre de primeira.
Enquanto eu estava nessa posição aí que fotografei os abates, os trabalhadores foram matar um búfalo, que desde o início já tentava subir no metal e o lugar que eu estava era assim: búfalo, eu (me cagando), parede. O búfalo recebeu o tiro e ficou bem atordoado, quando tiraram ele do cesto onde recebe o tiro ele ficou tentando se levantar e caía para todos os lados. Então, eles tiveram que usar o método tradicional e dar algumas marretadas na cabeça do animal, até que ele morresse.
Nesta foto você pode ver o cesto de metal onde os animais entram para serem abatidos. E eu estava do lado daquele homem de branco.
O animal, depois de morto, é içado pela pata e continua na linha de produção.
Com a modernização que a prefeitura está implantando no Matadouro (com previsão de conclusão para o próximo ano), o processo tem se tornado muito mais ágil, seguro e higiênico. No processo artesanal, além do boi ser morto a marretadas, ele poderia atingir algum funcionário que estivesse fazendo o abate, além do mais os reis (como são chamados os bovinos) eram dissecados no chão mesmo, causando problema de postura para os trabalhadores e falta de higiene para a carne.
Os animais passam por diversas etapas onde suas patas, rabo e cabeça são retirados, seu couro também é retirado e tudo é enviado para a área de interesse. As vísceras brancas, as vermelhas, a pele, a cabeça, cada parte é tratada da melhor forma possível.
O matadouro conta também com profissionais que buscam por doenças em cada parte dos animais. A Vanessa (foto de baixo) trabalha procurando doenças nas vísceras vermelhas, existem outros profissionais que procuram por focos de tuberculose na cabeça e também nas vísceras brancas (foto de cima). Caso esteja em condições sanitárias ideais, tudo é limpo e enviado para os açougues da cidade.
Toda a carne abatida no matadouro municipal é consumida dentro do próprio município. São abatidos em média 60 a 80 reis por dia, e o recorde agora para a época do círio foi algo em torno de 120 animais.
domingo, 9 de agosto de 2009
Lendas: A Cobra do Erepecuru
A Partir de agora resolvi escrever alguns posts sobre as lendas que são contadas na cidade, que não são poucas. As pessoas realmente acreditam nas histórias que são contadas e a retransmitem para seus filhos, netos e até para os turistas.
A primeira lenda é sobre a Cobra do Erepecuru.
Em Oriximiná existem dois rios, um chamado Erepecuru (que é o rio da comunidade Varre-Vento) e o rio Erepecu, que é subindo o Trombetas, caminho contrário do outro que fui. Contam as histórias que antigamente existia uma cobra em cada um destes rios, uma cobra grande, provavelmente maior que a Sucuriju.
Um certo dia essas cobras brigaram e a cobra do Erepecu acabou por cegar a cobra do Erepecuru. Mas isso não a invalidou por completo. Ela teve uma filha, que neste exato momento está crescendo e tramando a vingança contra a cobra do rio Erepecu, que cegou a sua mãe.
Quem me contou esta lenda foi o meu guia Sandro, da comunidade Varre-Vento.
A primeira lenda é sobre a Cobra do Erepecuru.
Em Oriximiná existem dois rios, um chamado Erepecuru (que é o rio da comunidade Varre-Vento) e o rio Erepecu, que é subindo o Trombetas, caminho contrário do outro que fui. Contam as histórias que antigamente existia uma cobra em cada um destes rios, uma cobra grande, provavelmente maior que a Sucuriju.
Um certo dia essas cobras brigaram e a cobra do Erepecu acabou por cegar a cobra do Erepecuru. Mas isso não a invalidou por completo. Ela teve uma filha, que neste exato momento está crescendo e tramando a vingança contra a cobra do rio Erepecu, que cegou a sua mãe.
Quem me contou esta lenda foi o meu guia Sandro, da comunidade Varre-Vento.
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
O Círio de Santo Antonio
No último dia 02, do mês de agosto, do ano de 2009, aconteceu o Círio de Santo Antônio na cidade de Oriximiná. Segundo os locais este é o maior Círio fluvial noturno do mundo. O evento acontece com uma procissão noturna fluvial, uma barca ornamentada vai na frente e diversos outros barcos, de todos os tamanhos, vão atrás, iluminados e soltando fogos, a procissão navega em frente a orla da cidade em meio a 14mil barquinhas com uma vela cada uma. As barquinhas, que foram construídas pelos alunos da cidade, são soltadas dentro do rio a favor da correnteza e criam um lençol de pontos luminosos, uma coisa linda.
Em todo lugar que você parasse era possível escutar histórias de fé e devoção ao Santo e de vários acontecimentos que ligavam a ele. Uma das histórias dizia que em um Círio, durante todo o dia estava ventando muito, o que atrapalharia a soltura das barquinhas e faria com que elas navegassem muito rapido ou até mesmo afundassem, mas na hora que a procissão ia começar, quando as barquinhas foram sendo soltas, o vento parou e o Círio aconteceu. Logo após o evento fluvial, o vento voltou a soprar com sua força. Os fiéis dizem que foi o poder de Santo Antônio que parou o vento e deu passagem a sua imagem.
As fotografias durante o evento foram bem difíceis. Eu tenho alguns bloqueios para o uso de flash, e além disso não tenho um flash legal, então foi bem difícil usar uma teleobjetiva com pouca luz. Mas consegui fazer algumas fotos boas e consegui registrar toda a iluminação da balsa que carregava o Santo.
Já falei bastante aqui no blog e também no twitter do trabalho dos profissionais na construção da balsa. Deixo aqui meus singelos parabéns para o Meio-Quilo, Ari e toda a equipe que trabalhou na construção de todo o projeto de iluminação e na preparação da procissão.
Como vocês podem ver na foto acima, a balsa foi iluminada por centenas de lâmpadas e uma máquina simples fazia a transição entre as imagens de cada cor de lâmpada. A máquina era apenas uma roda rodando e ligando vários contatos, e assim a balsa, de 16m de altura, apresentava toda a beleza de sua iluminação.
Na frente da balsa iam componentes de uma banda, membros da igreja e os guardas do santo e no backstage iam os profissionais do suporte.
Na orla era possível ver algumas embarcações ornamentadas e carregando os mais diversos tipos de Santo Antônio, grandes, pequenos, bonitos e feios. Mas o que importava era demostrar a fé e homenagear o Santo, tão querido na cidade.
Não podia faltar. Em toda festa, principalmente de cidade pequena, os bêbados tem um papel muito importante. E esse moço aí de cima estava deitado no rio, muito próximo de onde a balsa atracou para continuar a procissão em terra até a igreja. Achei a pose dele muito curiosa, lembrando um ícone da igreja católica, em plena festividade católica. Uma pena que eu estava com uma tele e não consegui uma foto das pernas.
Da orla da cidade eu me encaminhei para a igreja para esperar a chegada da imagem, assim como todos os fiéis que estavam acompanhando a procissão marítima. Eram apenas dois quarteirões, mas a quantidade de pessoas que estavam acompanhando o evento era algo um tanto inacreditável para uma cidade do porte de Oriximiná.
Minha caminhada demorou alguns minutos acima do normal, até que cheguei à frente da igreja, onde centenas de cristãos se aglomeravam esperando a chegada do padroeiro da cidade. Muitas pessoas demostravam sua fé cantando os hinos junto com uma banda que tocava no palco, montado em frente a igreja, especialmente para o Círio. As pessoas tinham camisas com imagens do padroeiro e balançavam lenços brancos ao cantar emocionadas.
Quando a procissão com o Santo apontou na praça nem preciso falar da emoção. Até eu, que não sou católico, me comovi com o jeito como as pessoas comemoraram, aplaudiram e se emocionaram com a chegada.
Os PMs fizeram um cordão de isolamento para que os fiéis não tentassem chegar até a imagem para beijá-la. Um dos guardas do santo (cargo na igreja de pessoas que acompanham a imagem cuidando dela a todo o momento) me contou que os católicos tentam beijar o manto do Santo, mas como ele é revestido em ouro, quando beija-se, o batom ou mesmo a saliva destroem lentamente a vestimenta da estátua.
Em meio a procissão eu pude ter a primeira visão do santo, em meio às bandeirinhas que todos carregavam. Foi uma imagem um tanto linda. Foi pura sorte que consegui registrá-la e mostrar aqui para vocês, e assim tentar compartilhar um pouco deste momento.
Houve um momento que foi curioso. Eu estava em cima do palco, sem descolar o olho do visor da camera, portanto eu não via que estava do meu lado nem nada, via somente a imagem se aproximando. Uma hora percebi que haviam muitas pessoas passando em frente a minha lente e atrapalhando a fotografia. Quando tirei o olho do visor me dei conta que estava rodeado de velhinhos, algo em torno de 20 idosos. Todos com bandeirinhas, chorando de emoção, lindo.
A foto acima eu consegui um angulo entre as bandeirinhas e fotografei o novo bispo da região de Óbidos e Oriximiná. Todos já tem um carinho muito grande por ele, que foi quem realizou a missa.
Foi uma coisa única na minha vida, como tudo tem sido aqui. Nunca tinha visto tamanha devoção ao vivo, nunca tinha sentido milhares de pessoas demostrando sua fé, se emocionando e realmente acreditando naquilo.
Mais uma linda experiência na minha vida.
E de novo eu falo: venham para a Amazônia, protejam a Amazônia, vivam a Amazônia!
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Em tempos de internet
Me surpreendia muito na comunidade que fui. Nós, na faculdade, na grande mídia, falamos tanto de internet, de twitter, de revolução 2.0 e de várias coisas altamente tecnológicas. Mas algumas vezes nos esquecemos de uma grande parte da população do Brasil, afinal, nosso país não é só o sul e o sudeste e não é só composto pelas classes média e alta. O Brasil é muito grande, tem muita gente.
E lá na comunidade uma das principais fontes de informação é o rádio. Sim, o rádio! As pessoas mal tem energia elétrica, eles não tem nem como ligar uma TV direito. Eles escutam tudo por rádio.
Na conversa com o Seu Salustiano achei incrível que conversamos sobre os acidentes de barco que houveram recentemente, e ele soube de tudo por rádio, e com profundidade.
Eu sou um grande admirador da internet, minha vida profissional espero que seja pautada por este meio. Mas a viagem aqui me fez abrir os olhos para o antigo rádio, que para mim estava em plena decadência, e em alguns momentos na faculdade nós até pensamos isso mesmo.
Dizemos que o rádio está mudando por causa da internet. Mas e os lugares onde as pessoas nem sabem o que é um computador?
E lá na comunidade uma das principais fontes de informação é o rádio. Sim, o rádio! As pessoas mal tem energia elétrica, eles não tem nem como ligar uma TV direito. Eles escutam tudo por rádio.
Na conversa com o Seu Salustiano achei incrível que conversamos sobre os acidentes de barco que houveram recentemente, e ele soube de tudo por rádio, e com profundidade.
Eu sou um grande admirador da internet, minha vida profissional espero que seja pautada por este meio. Mas a viagem aqui me fez abrir os olhos para o antigo rádio, que para mim estava em plena decadência, e em alguns momentos na faculdade nós até pensamos isso mesmo.
Dizemos que o rádio está mudando por causa da internet. Mas e os lugares onde as pessoas nem sabem o que é um computador?
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Comunidade Varre Vento
Na última semana, antes do Círio Fluvial de Santo Antônio (que vai receber um post em breve, pois foram 400 fotos e preciso selecionar bem), eu fui até a comunidade quilombola chamada Varre Vento, que fica no rio Erepecuru. A comunidade foi batizada com este nome pois aquela é uma região que venta muito e leva todas as folhas que estão caídas.
Eu cheguei no porto bem cedinho para pegar o barco de nome "Dele Dela", onde já haviam redes penduradas e diversas pessoas da comunidade já estavam presentes. A minha chegada foi um pouco tímida, não interagi muito com quase ninguém e quase ninguém também interagiu comigo. No barco também estava um casal de baianos que estavam indo para a comunidade, mas tinham como destino a comunidade da Pancada, onde pretendo ir neste fim de semana. A viagem foi bem tranquila, só em um momento que foi um pouco mais tenso. Uma chuva MUITO forte caiu com ventos fortíssimos soprando, tivemos que baixar os toldos laterais do barco e segurá-los, por sorte estávamos atracados neste momento.
Passada a tormenta, logo chegamos até a comunidade, já de noitinha, após 5h dentro do barco. O senso horário aqui é bem estranho. Uma viagem de 5h ou 6h é considerada rápida e o destino perto, bem diferente do nosso senso nas grandes capitais, não?
No dia seguinte eu quis conhecer um pouco da comunidade. Descobri que sua economia consiste basicamente na produção da farinha (e que farinha boa essa daqui) e do tucupi. E assim, com meu guia Sandro, de 12 anos, fomos até o que eles chamam de Roça. A roça é o local onde eles preparam tudo da farinha, eles plantam, colhem, moem, peneiram, escaldam, peneiram de novo, torram e peneiram de novo. O caminho foi feito de barco, sem motor de rabeta, só com um remo e com uma curta caminhada.
A caminhada teve um pequeno trecho por dentro da mata que foi muito agradável, e em alguns pontos mais abertos era possível ver toda a exuberância das castanheiras, de onde algumas comunidades tiram o seu sustento.
Na roça eu vi praticamente o processo de escaldar a farinha, onde pega-se uma massa e esquenta-se neste fogão. Tinham 2 e o calor ali dentro era tremendo! Eu me arrisquei em um momento e esta farinha que foi produzida neste dia teve uma mão mínima de alguém do Rio de Janeiro. Tomara que fiquei boa como todas as outras!
Na volta passamos na casa do Seu Salustiano, avô do Sandro, meu guia e pai da Dona Legilda. Este homem foi um dos fundadores da comunidade e sempre viveu por ali. Ele me contou histórias de sua juventude e criticou as canoas que as pessoas andam e como andam super-lotadas. Falamos de alguns acidentes, como o acidente de Manaus, que alguns ficaram desesperados, principalmente minha mãe e minha namorada e também de um acidente que aconteceu dias atrás, numa noite, na Pancada, que matou 4 crianças.
O Sandro sabia que Seu Salustiano adora falar e combinou um código comigo para quando ele fizesse eu desse um jeito de ir embora. E foi assim, ele assoviou e tentei me despedir dele, mas foi difícil. É sempre tão legal escutar histórias dos mais velhos, lembro das minha avós e do meu avô.
Na volta eu até ensaiei umas remadas em nossa canoa, que tinha sido regsatada do fundo do rio e meu guia tinha feito alguns remendos antes de usarmos. Uma hora chutei um remendo e a água começou a jorrar dentro do barco. Mas ele não se assustou e disse que conseguiriamos chegar até a comunidade. E foi assim. No outro dia a canoa estava de volta no fundo do rio.
Na comunidade todos gostavam de ser fotografados, e até pediam por isso. Este rapaz pediu para eu fotografá-lo de alguns jeitos para ele enviar as fotos para sua mãe. Estas fotos eu vou revelar por aqui e enviar para a comunidade, como forma de agradecimento a todos, isto é o mínimo que posso fazer por tudo que aprendi com eles. Este rapaz, me contaram, ele sobe em açaizeiro sem a palha nos pés e colhe açaí como ninguem. Percebam, ele não tem um braço!
Estas três fotos acima representam muito do que o rio é para estas pessoas. O rio é lugar de banho, é lugar de diversão, é a água que eles bebem (me incluo nisso nestes 3 dias, mas eles colocam um remédio, às vezes, para consumir), é a sua rodovia, é a sua fonte de comida, o rio é tudo na vida destas pessoas tão simples e tão lindas. Este momento foi incrível, pois quase todos da comunidade estavam reunidos ali em baixo, as mães lavando roupa e dando banho nas crianças, outras lavando louças, os homens lavando o barco para o Círio e se "ariando" como disse o meu guia.
Neste dia que passei na comunidade foi incrível, pois toda hora vinha uma criança pedindo para ser fotografada, eles todos adoravam posar para uma foto. Fosse eu produzindo a foto, dizendo para cada um ficar de um jeito fosse pegando um objeto qualquer, como um abacaxi! O que importava ali era aparecer na foto e ficar bem nela, para depois receber tudo reveladinho e assim construir sua memória. Na comunidade achei muito curioso o fato de a Dona Legilda e Seu Manelão, que me receberam em sua casa, terem uma câmera digital. A câmera foi presente da Júlia, uma mestranda (creio que da UFF) que faz um trabalho incrível naquela comunidade e é verdadeiramente amada por todos lá. Aproveito e deixo aqui meus parabéns para esta pessoa tão linda de alma, pelo que TODOS na comunidade me falaram e contaram histórias, todos sentem muita falta dela, mas ela já volta.
Esta foi a foto final. A foto com Seu Manelão, Dona Legilda e meu guia e pequeno amigo Sandro. Deixo aqui meu grande agradecimento para eles, que foram tão bons ao abrir as portas para um estranho, que tinham conhecido há 1 minuto, quando disseram que poderia ficar em sua casa. Lá eu aprendi o que é uma comunidade de verdade, um lugar onde os filhos são criados por todos, um lugar onde entra-se na casa de qualquer um sem pedir licensa, bebe-se café, come-se a comida, onde não se bate nas crianças, onde todos se respeitam, onde todos trabalham pela comunidade, pescam o peixe e repartem sem tentar levar a melhor, onde recebem um estranho em casa sem achar que ele vai fazer mal para eles. Fiquei mesmo muito emocionado com esse visita e foi difícil dizer adeus para estas pessoas, lindas, simples, cheias de conhecimento. E por aqui eu não consigo dizer cada momento que passamos, cada pequena ação deles que tocou meu coração. Agora, mais que nunca, eu indico essa experiência para todos vocês.
Obrigado Comunidade Varre Vento! Vocês mudaram minha vida.
sábado, 1 de agosto de 2009
Lago do Iripixi
O Lago do Iripixi é um pedaço do Rio Trombetas, que banha Oriximiná, que as pessoas usam para se refrescar nos dias quentes, ou seja, usam bastante esse lago!
Esta é a praia mais próxima a cidade e conta com bares e vendedores de Ituizinho (consulte o vocabulário ao lado).
Com a cheia do rio não é possível ver o fundo, mas os moradores da cidade contam que no período de seca, o lago exibe areias brancas e degraus para poder chegar até a beira da água.
A Feira do Produtor Rural
Seu Altair e suas castanhas, colhidas de seu pedaço de terra.
Eu e os alunos de Produção Cultural do PURO/UFF fomos até a I Feira do Produtor Rural na estrada do BEC, quiilometro 9.
Fiquei um pouco com pena do lugar, um ambiente meio árido em pleno coração da selva amazônica, é um tanto irônico, mas é uma coisa que todos convivemos aqui, o desmatamento para qualquer motivo (não só para criar pastos ou extrair madeira).
Os comerciantes lá eram pessoas simples, como a maioria dos locais. Eles acreditam no que você fala, te tratam super-bem e te recebem como se já nos conhecessem há anos.
Tudo na feira era muito barato. Isso não quer dizer que é bom ou ruim. Lá na feira, a maior parte do público presente era de pessoas pertencentes às comunidades quilombolas vizinhas, e elas não possuem um poder aquisitivo muito grande, então, quem estava vendendo não poderia vender mais caro. Por exemplo o Seu Altair da primeira foto, ele vendia o cesto com as castanhas por R$2,00, dois reais. Para comprar um cesto daquele no Rio de Janeiro não é possível pensar em um valor abaixo dos R$10. Com as castanhas dentro o valor ultrapassa facilmente a marca de R$20.
Infelizmente estas pessoas desconhecem o potencial de sua mercadoria e vendem muito barato por encontrar as castanhas na natureza e a produção dos cestos estar muito presente em seu cotidiano.
Tudo lá era muito barato (em torno de R$1,50) e algumas vezes faltava troco. Então as pessoas davam este vale. Para mim este vale representa tudo o que são estas pessoas, gente inocente, que acredita na boa vontade e na honestidade dos outros, gente que vive em comunidade.
As crianças, como sempre, estavam presente, rindo, brincando e se divertindo enquanto seus pais faziam suas transações nas barraquinhas. É comum ver o maior cuidando do menor e não se vê ninguém brigando, ou alguma criança chorando.
E para fechar a tarde não poderia faltar a música, tão presente neste estado grandioso que é o Pará. Já estava tudo armado para receber a banda local de tecno-brega e animar o público, que rodopia sem parar desde que nasce.
Não tive a oportunidade de ficar para o show, mas com certeza eles animaram todos.
No meio da tarde voltamos de carona com uma equipe local da RedeTV! que estava cobrindo o evento.
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