segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Comunidade Varre Vento


Na última semana, antes do Círio Fluvial de Santo Antônio (que vai receber um post em breve, pois foram 400 fotos e preciso selecionar bem), eu fui até a comunidade quilombola chamada Varre Vento, que fica no rio Erepecuru. A comunidade foi batizada com este nome pois aquela é uma região que venta muito e leva todas as folhas que estão caídas.
Eu cheguei no porto bem cedinho para pegar o barco de nome "Dele Dela", onde já haviam redes penduradas e diversas pessoas da comunidade já estavam presentes. A minha chegada foi um pouco tímida, não interagi muito com quase ninguém e quase ninguém também interagiu comigo. No barco também estava um casal de baianos que estavam indo para a comunidade, mas tinham como destino a comunidade da Pancada, onde pretendo ir neste fim de semana. A viagem foi bem tranquila, só em um momento que foi um pouco mais tenso. Uma chuva MUITO forte caiu com ventos fortíssimos soprando, tivemos que baixar os toldos laterais do barco e segurá-los, por sorte estávamos atracados neste momento.
Passada a tormenta, logo chegamos até a comunidade, já de noitinha, após 5h dentro do barco. O senso horário aqui é bem estranho. Uma viagem de 5h ou 6h é considerada rápida e o destino perto, bem diferente do nosso senso nas grandes capitais, não?


No dia seguinte eu quis conhecer um pouco da comunidade. Descobri que sua economia consiste basicamente na produção da farinha (e que farinha boa essa daqui) e do tucupi. E assim, com meu guia Sandro, de 12 anos, fomos até o que eles chamam de Roça. A roça é o local onde eles preparam tudo da farinha, eles plantam, colhem, moem, peneiram, escaldam, peneiram de novo, torram e peneiram de novo. O caminho foi feito de barco, sem motor de rabeta, só com um remo e com uma curta caminhada.

A caminhada teve um pequeno trecho por dentro da mata que foi muito agradável, e em alguns pontos mais abertos era possível ver toda a exuberância das castanheiras, de onde algumas comunidades tiram o seu sustento.

Na roça eu vi praticamente o processo de escaldar a farinha, onde pega-se uma massa e esquenta-se neste fogão. Tinham 2 e o calor ali dentro era tremendo! Eu me arrisquei em um momento e esta farinha que foi produzida neste dia teve uma mão mínima de alguém do Rio de Janeiro. Tomara que fiquei boa como todas as outras!


Na volta passamos na casa do Seu Salustiano, avô do Sandro, meu guia e pai da Dona Legilda. Este homem foi um dos fundadores da comunidade e sempre viveu por ali. Ele me contou histórias de sua juventude e criticou as canoas que as pessoas andam e como andam super-lotadas. Falamos de alguns acidentes, como o acidente de Manaus, que alguns ficaram desesperados, principalmente minha mãe e minha namorada e também de um acidente que aconteceu dias atrás, numa noite, na Pancada, que matou 4 crianças.
O Sandro sabia que Seu Salustiano adora falar e combinou um código comigo para quando ele fizesse eu desse um jeito de ir embora. E foi assim, ele assoviou e tentei me despedir dele, mas foi difícil. É sempre tão legal escutar histórias dos mais velhos, lembro das minha avós e do meu avô.


Na volta eu até ensaiei umas remadas em nossa canoa, que tinha sido regsatada do fundo do rio e meu guia tinha feito alguns remendos antes de usarmos. Uma hora chutei um remendo e a água começou a jorrar dentro do barco. Mas ele não se assustou e disse que conseguiriamos chegar até a comunidade. E foi assim. No outro dia a canoa estava de volta no fundo do rio.


Na comunidade todos gostavam de ser fotografados, e até pediam por isso. Este rapaz pediu para eu fotografá-lo de alguns jeitos para ele enviar as fotos para sua mãe. Estas fotos eu vou revelar por aqui e enviar para a comunidade, como forma de agradecimento a todos, isto é o mínimo que posso fazer por tudo que aprendi com eles. Este rapaz, me contaram, ele sobe em açaizeiro sem a palha nos pés e colhe açaí como ninguem. Percebam, ele não tem um braço!



Estas três fotos acima representam muito do que o rio é para estas pessoas. O rio é lugar de banho, é lugar de diversão, é a água que eles bebem (me incluo nisso nestes 3 dias, mas eles colocam um remédio, às vezes, para consumir), é a sua rodovia, é a sua fonte de comida, o rio é tudo na vida destas pessoas tão simples e tão lindas. Este momento foi incrível, pois quase todos da comunidade estavam reunidos ali em baixo, as mães lavando roupa e dando banho nas crianças, outras lavando louças, os homens lavando o barco para o Círio e se "ariando" como disse o meu guia.


Neste dia que passei na comunidade foi incrível, pois toda hora vinha uma criança pedindo para ser fotografada, eles todos adoravam posar para uma foto. Fosse eu produzindo a foto, dizendo para cada um ficar de um jeito fosse pegando um objeto qualquer, como um abacaxi! O que importava ali era aparecer na foto e ficar bem nela, para depois receber tudo reveladinho e assim construir sua memória. Na comunidade achei muito curioso o fato de a Dona Legilda e Seu Manelão, que me receberam em sua casa, terem uma câmera digital. A câmera foi presente da Júlia, uma mestranda (creio que da UFF) que faz um trabalho incrível naquela comunidade e é verdadeiramente amada por todos lá. Aproveito e deixo aqui meus parabéns para esta pessoa tão linda de alma, pelo que TODOS na comunidade me falaram e contaram histórias, todos sentem muita falta dela, mas ela já volta.


Esta foi a foto final. A foto com Seu Manelão, Dona Legilda e meu guia e pequeno amigo Sandro. Deixo aqui meu grande agradecimento para eles, que foram tão bons ao abrir as portas para um estranho, que tinham conhecido há 1 minuto, quando disseram que poderia ficar em sua casa. Lá eu aprendi o que é uma comunidade de verdade, um lugar onde os filhos são criados por todos, um lugar onde entra-se na casa de qualquer um sem pedir licensa, bebe-se café, come-se a comida, onde não se bate nas crianças, onde todos se respeitam, onde todos trabalham pela comunidade, pescam o peixe e repartem sem tentar levar a melhor, onde recebem um estranho em casa sem achar que ele vai fazer mal para eles. Fiquei mesmo muito emocionado com esse visita e foi difícil dizer adeus para estas pessoas, lindas, simples, cheias de conhecimento. E por aqui eu não consigo dizer cada momento que passamos, cada pequena ação deles que tocou meu coração. Agora, mais que nunca, eu indico essa experiência para todos vocês.

Obrigado Comunidade Varre Vento! Vocês mudaram minha vida.

6 comentários:

  1. Existe uma coisa, sempre muito dita em aulas de antropologia, que é a inserção no Estranho. Acho que vocÊ realizou com grande sucesso sua visita, em momento algum, pelo menos nos posts, vc pareceu querer impor o que você sabe, como você faz isso e aquilo, foi um verdadeira inserção antropologica, parabéns!!!

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  2. Rapaz, que puta inveja! Inveja e saudade! Lendo a descrição do local e das experiências deu vontade de voltar logo... Espero aproveitar melhor a próxima visita!

    Abração
    Heitor Neto
    www.insanidade.com

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    1. Minha avo Nazira é dessa comunidade. hoje esta com 92 anos, uma florzinha linda. bela postagem e linda.

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    2. OI Ana AlmeidA, minha avô morou em varre vento e tem 90 anos. talvez elas se conhecam.

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  3. Maneiro mlk... Vivendo e aprendendo!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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